quarta-feira, 16 de maio de 2018

Falando de Arte (1)

OTA - Grafite sobre tela

A arte está sempre associada a ato humano, sendo este conceito amparado pelas doutrinas clássicas e intelectuais do fazer.
Ars est recta ratio factibilium. A Arte é o exato conhecimento do que se deve fazer. Esta definição quase tão antiga quanto a Arte, serve ao propósito de lembrar que a arte é um ofício, mas está distante da maneira como a reconhecemos hoje e como a percebemos como uma fruição estética, de vazão intelectual e de reflexão tanto de quem a produz, quanto de quem a consome.
O OTA das quebradas, que não arreda pé – ainda bem – de trabalhar com a moçada na periferia da periferia e de trazer à luz um monte de jovens criadores. O OTA dos grandes murais. O Doutor Ota daqui a alguns poucos dias. O Otavio Fabro da Faculdade, o Otaviofabroota do Instagram, Otavio Fabro Ota do Facbook e um monte de OTAs e Otavios em tanto canto que nem ele, nem ninguém precisam saber onde está, porque a arte é assim também: das paredes para as cabeças e corações sensíveis.
Autodefinido “O eu grafiteiro/artista/pesquisador” em exposição* com este título, Otavio Fabro OTA – o Doutor Ota – conseguiu em uma sala com 10 telas, objetos de madeira e concreto, monitores exibindo seu processo de trabalho e pequenas telas com ilustrações a traço, apresentar a gênese do Grafite.
Ainda um tema controverso, OTA conta em poucas palavras e muitas pinceladas o que é grafite. E faz isto com muito bom humor. Tapas de ironia. Melhor dizer afagos de ironia refinada, um sarro bem tirado que demonstra ser o grafite uma intervenção urbana necessária, além do flácido senso comum que nega a sua importância. 


A partir de madeira, que trabalhou mecanicamente com um resultado espetacular associando-a ao concreto, OTA introduz o carvão, resultado da queima do material original.
A tela central é negra. Melhor. É grafite. Precisa falar mais alguma coisa? Pedacinhos de carvão dispostos sobre tela. Ao lado, mantendo a proporção áurea das telas que poderiam se abraçar num único painel em relevo, OTA pinta uma tela com tinta de fuligem. Isto mesmo. Fuligem. Aquela coisa negra que flutua no ar, suja os colarinhos brancos dos executivos da Paulista ou de Wall Street, e cobre carros, placas, cabeças, calçadas, cestos de lixo, bancas de jornais, homens, mulheres, crianças, bancos de jardim com uma película teimosa, finíssima, diária. Mais adiante, uma tela é um pedaço de rua (tinta asfáltica sobre tela. O conhecido piche. Picho?) com um buraco. Isto mesmo: uma depressão côncava que entorta roda de magrela, principalmente quando tem tantos buracos nas ruas que até merecem uma tela do OTA. 


Em outro canto, outra tela com asfalto e se você olhar de perto verá que a textura é a mesma do asfalto (quem jogou bola na rua, sabe. Quem anda a pé e observa, também). Nesta ele brinca com um spray, que não podia faltar numa exposição de um grafiteiro. Lá está a faixa branca no meio do asfalto com um sfumato típico da técnica, nada mais que um dos cânones da Renascença, só prá lembrar que grafite é coisa de erudito que não gosta de ser chamado assim.

(*) a exposição “O eu grafiteiro/artista/pesquisador” encontra-se no Instituto das Artes da UNESP – na  R. Dr. Bento Teobaldo Ferraz, 271 - Barra Funda, São Paulo, até o dia 19.05.2018 

terça-feira, 27 de setembro de 2016

Dilemas Contemporâneos da Cultura (107)


Ops - por cepê


Há tempos e mais agora nestes tempos, algumas redes sociais passara a abrigar toda a sorte lamúrias, principalmente os revoltados "desabafos" de defesa de malfeitos. Como há audiência para quase tudo, não raro, desavisados, desinformados ou descafeinados indolentes tomam partido quando o melhor partido deveria ser ficar quieto e aguardar que a lei matemática resolva as equações que a vida impõe. 
Este é um viés que me parece interessante: vida e viver...
Nada mais livre do que viver em paz, adormecer sabendo que se fez a coisa certa. Um dia destes vi um dos comentários adoráveis do Mário Sérgio Cortella sobre a noção de capricho: "Fazer o melhor com o que se tem, enquanto não se tem condições melhores para se fazer melhor ainda". 
Conformismo? Modéstia? Falta de visão de mundo? Ingenuidade?
Claro que não. Apenas uma visão concreta da realidade e da perspectiva de se fazer para que ao final de tudo se tenha construído alguma coisa "no capricho", fazendo  o melhor com o que se tem, enquanto não se tem condições melhores para se fazer melhor ainda.
Pois acho que viver é exatamente isto. Poder fazer o melhor com o que se tem, enquanto não se tem condições melhores para se fazer melhor ainda.
E, principalmente, sabendo qual é a sua laia, pois não parece claro que estamos falando o tempo todo disto?
De fazer o melhor com o que se tem, com aqueles de sua laia, enquanto não se tem condições melhores para se fazer melhor ainda, longe da laia que não nos interessa. 
E se pensarmos bem, nada melhor do que contar com quem está na mesma frequência que você. 
Recentemente falei a algumas pessoas sobre a dificuldade de se conseguir realizar determinadas coisas quando não há entendimento sobre o que se está falando. Num exemplo, grosso modo, poderemos dizer que uma orquestra numa sala de concerto pode executar o repertório que quiser mesmo de platéia vazia e conseguirá o mesmo resultado de uma sala cheia, já que as suas ondas sonoras do mesmo modo se espalhariam a quilômetros, atravessando paredes e beneficiando a humanidade.
Ora, há um forte conteúdo de abstração nesta conclusão, mas são pouquíssimas as pessoas dispostas a entender este efeito - discutível - mas delicioso como livre pensar. 
Não é assim? 
Pois então, voltemos a viver e vida com os da mesma laia, fazendo o melhor com o que se tem, sem perder de vista que, sabendo o que e como fazer, é só trabalhar para criar as condições melhores para se fazer melhor ainda.







quinta-feira, 5 de maio de 2016

Dilemas Contemporâneos da Cultura (106)

Projeto Tamar - Divulgação

Tartarugas são engraçadas. Raros são aqueles que não gostam destes bichinhos de casca grossa, olhar plácido, obrigados pela própria natureza a carregar sua casa por onde andam. O Tarugo (personagem da turma da Mônica, do Maurício de Souza) se apresenta como tartaruga, mas é um jabuti (dizem). Deve ser mesmo uma tartaruga disfarçada ou ter um probleminha de identidade que não nos cabe explicar. O fato é que na sua casca-casa ele guarda um monte de coisas.
Quem não conhece o clássico da Tartaruga e o Coelho? A Tartaruga é conhecida por viver muito e andar devagar. Talvez por isto, ganhe sempre do coelho nos desenhos animados, nas fábulas infantis. 
Também são clássicas as imagens (quando não o próprio bichinho) das tartarugas indo para o mar. E a desova que precedeu este fenômeno mágico do nascimento? Tudo isto é lindo e os projetos de preservação deste ser maravilhoso estão por aí para quem quiser contribuir, apoiar etc. O projeto Tamar é o mais conhecido. A WWF (a entidade que tem a cara de um ursinho panda) e tem inclusive um app muito legal (apps para o planeta Terra) que também fala das tartarugas, da arara azul, ursos e outras espécies. 
A Tartaruga não me saiu da cabeça hoje, porque neste momento caótico, tanto político, quanto econômico com suas consequências nas relações sociais, que estamos vivendo, vê-se de tudo. Até tartarugas em árvores. 
Tartarugas em árvores? Este é outro clássico, porque todo mundo sabe que tartaruga não nasce, nem sobe sozinha em árvore. Se está lá, é porque alguém colocou. Para quê? Por que? Talvez a história nos ajude a perceber os autores destas façanhas dentro em pouco. Aguardemos. 
Isto tudo remeteu de forma análoga ao anúncio pelo Ministério da Cultura de um crédito de milhares de reais disponíveis no Banco do Brasil para financiar a atividade dos pequenos empreendedores principalmente.
Esta notícia não é apropriadamente uma tartaruga em cima da árvore, nem tampouco lembra a tartaruga em sua casca, exceto pela lentidão com isto foi anunciado. A exemplo da regulamentação ou aperfeiçoamento do conjunto de possibilidades reais da Lei Rouanet que caminharam minimamente, a passos de tartaruga, demorou muito, mais de 12 anos para que algo aparentemente óbvio e totalmente previsível nas possibilidades de financiamento tenha sido anunciado. 
Mas - sempre tem um mas, infelizmente a nova linha de crédito (se é que existirá e que será colocada em prática) está lastreada em recursos do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador - do BNDES) que, ao que parece, possui problemas enormes de déficit ou coisa parecida. E ninguém falou, ou perguntou, quais serão as garantias exigidas do pequeno empreendedor (aquele que todos sabem não possui garantias para o crédito) para que tenha acesso à maravilha financeira de juros baixos pelo Banco do Brasil.
Em sã consciência, dá para levar isto à sério? No meio de um processo de impeachment? Ás vésperas da data fatal do "velho" governo? E o que é pior, sendo este suposto crédito liberado uma semana depois da provável data de afastamento da equipe que hoje já não comanda o país? E o dinheiro do pre-sal para a Cultura que não acreditei quando foi dito que viria e nos salvaria pra sempre? E o Vale Cultura, como anda esta ferramenta que injetaria milhões na economia do setor? 
Estou cansado disto. Muita gente está cansada disto. Estou com uma Tartaruga enorme na cabeça (juro que não fui eu quem a colocou). Muito semelhante às tartarugas que o Jasper Danckaerts encontrou nas tribos americanas sustentando o mundo.

segunda-feira, 7 de março de 2016

Carlos Gomes no Mapa do Brasil (47)

UNICAMP - 1976 - (SIARQ UNICAMP)

As Pedras Fundamentais são um elemento simbólico do início de uma obra. Sua origem está relacionada a tradições cerimoniais celtas e maçônicas. 

Não sabia, mas achei curioso que as pedras fundamentais sejam preferencialmente colocadas no lado nordeste de uma nova construção, indicando a partir dai como a planta será instalada. Interessante, não é? Sempre observei muito mais a questão cerimonial que seu valor construtivo em si. 

O lançamento da Pedra Fundamental da UNICAMP se deu em 4 de Outubro de 1966. Na foto publicada acima vê-se o registro das obras em 1976, a 40 anos do cinquentenário a completar em 2016. 

No centro da foto se vêem à esquerda e acima dois prédios redondos onde está hoje o chamado Ciclo Básico I.

Também já se vê, contado a partir daí, a quarta rua com o nome de Cora Coralina e a sexta rua com o de Elis Regina

Sempre em boa companhia e no meio das duas, praticamente no meio da foto, está a Rua Carlos Gomes, a homenagem da cidade e da Universidade ao principal compositor de ópera Brasileiro que, em 2016, completa 180 anos do seu nascimento, na cidade de Campinas, no Estado de São Paulo.


terça-feira, 1 de março de 2016

Nota de Rodapé (23)



Esta é particularmente uma Nota de Rodapé interessante, típica dos anos bissextos. Prometo só publicar outra igual daqui há 4 anos.

Caso você não saiba o que é ano bissexto, sinto muito, mas uma pesquisa simples dirá que se trata de denominação para o ano em que se corrige uma distorção no calendário, acrescendo-se um ultimo dia no mês de fevereiro. 

Assim, nos anos bissextos, temos o dia 29 de fevereiro (temos outros anos bissextos, mas isto não vem ao caso aqui). Se você quiser se aprofundar, a coisa não é tão simples como fiz parecer. O próprio nome bissexto vem derivado das contagens das chamadas Calendas romanas nos anos de dois dias a mais por causa do sextum.

Antes que o texto se transforme num manual de cultura inútil para quem não está interessado, estou utilizando a data para comemorar o aniversário de nascimento de Gioachino Rossini, o compositor de um monte de óperas, em especial L'Elisir D'Amore.

Rossini nasceu em Pesaro, na Itália, em 29 de Janeiro de 1792, cidade onde se realiza o Festival Rossini. Sim, eu sei que 29 foi ontem. Mas porque não mantermos a comemoração do seu aniversário em outros dias para que o pobre não tenha uma festa somente de quatro em quatro anos?

quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

Ópera em Movimento (8)


Neste ano, completam-se 180 anos do nascimento de Antonio Carlos Gomes, na cidade de Campinas e 120 anos de sua morte em Belém. 
Considerando a própria natureza deste blog é natural que tenhamos muito Carlos Gomes por aqui. Tentaremos.
Para quem não ouviu, aí está o link do programa Ópera em Movimento que apresentei na Radio Cultura de São Paulo, na série Idéias Musicais. Trata-se de uma edição específica sobre a ópera Maria Tudor, do compositor. 
Espero que você goste. Afinal, você é o diretor ou a diretora convidada.


quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

Dilemas Contemporâneos da Cultura (105)





O mundo continua precisando de poesia.

Em 2011, escrevi um texto para um site (que não mais existe) colocando em discussão e me colocando a favor de um projeto que envolvia a produção e publicação na internet de 365 vídeos (um para cada dia do ano) em que a cantora Brasileira Maria Bethânia interpretava poesias de vários autores e, de quebra, falava um pouco sobre a agressividade de determinadas opiniões. 
Levei "pau" como se diz. Várias pessoas publicaram justificativas contundentes e opiniões tão absurdas e tão despreparadas que não me restou outra coisa a não ser pacientemente rir de tudo aquilo. 
A questão na época e que prevalece até hoje é quanto ao direito de qualquer empresa pleitear recursos públicos para a realização de projetos na área da Cultura dentro das regras vigentes. Além disto, também remexo na maneira como muitas opiniões são oferecidas sem que se tenha uma base sólida de conteúdo para sua fundamentação. 

Para resumir, o tempo passou. O Brasil não ganhou as poesias recitadas pela Bethânia gratuitamente. O Brasil perdeu, a poesia perdeu, a Língua Portuguesa perdeu, os leitores perderam, os jovens deixaram de ter uma referência concreta e permanente da poesia no Brasil. 

Mas, felizmente há sempre um mas, Bethânia conseguiu editar um magnifico livro de poesias e um precioso dvd. Veja a edição da Editora UFMG e compre pelo menos dois exemplares do livro: um para você e outro para um amigo.  

Para quem não leu em 2011 ou para quem quer recordar, não tendo encontrado o link do site original, segue o texto que publiquei na versão da época:

O mundo precisa de poesia
Convenhamos que é uma ótima ideia “produzir e alimentar um blog durante um ano, com publicação diária de vídeos inéditos; atrair aproximadamente 6.000 (sic) visitantes diariamente; estimular a formação de público de leitores; estimular a discussão, na rede, sobre poesia e literatura; propiciar o contato e interação de jovens com literatura brasileira; estimular artistas de diferentes áreas a produzir conteúdo baseado em poesias e textos; produzir material audiovisual de grande qualidade técnica e artística; reunir uma equipe altamente capacitada e experiente para realizar o projeto; multiplicar resultados, estimulando o compartilhamento do conteúdo dos vídeos em outras redes, como YouTube, Facebook, Twitter e Orkut”.

Originada dos calendários destacáveis com frases e imagens diárias, a ideia de postar na internet vídeos diários gratuitamente, com uma artista do quilate da cantora Maria Betânia e em paralelo promover a discussão e a difusão da poesia sob todas as formas, é um pequeno ovo de Colombo.

Aí está uma ideia que eu gostaria de ter tido.

Junte-se a isto uma produtora (Conspiração) de reconhecido e exemplar portfólio. Temos então um projeto cultural na lei do audiovisual bem-sucedido?

Não. Antes falta o dinheiro que só virá se os produtores conseguirem convencer alguma empresa a apoiar o projeto repassando parte do seu imposto a pagar.

Bastou, no entanto, que se divulgasse a aprovação do projeto pelo Ministério da Cultura e sin sala bin, num passe de mágica, tivéssemos uma enorme e furiosa batalha na internet com acusações, insinuações, discordâncias. Mágoa, muita gente magoada. Muita inveja. Um sofrimento de fazer dó. Palavrões no twitter xingando a cantora, ministro da Cultura, ódio represado.

É assustador. Tem alguma coisa muito errada neste processo.

Desde quando a cultura no Brasil não precisa de incentivos e apoio do Estado? Tente qualquer um ir a uma empresa e oferecer um projeto cultural qualquer sem incentivo e veja se consegue.

Pode ser até que a Maria Betânia e a Conspiração Filmes consigam convencer agências e empresas e patrocinarem o blog com verbas próprias. Ótimo. Seria maravilhoso para a cultura e para a poesia.

E qual o problema do recurso ser incentivado? Neste caso, deve ser incentivado porque basta olhar o que as empresas – o mercado – têm feito pela poesia no Brasil. Perguntem aos poetas o quanto de dinheiro conseguiram privadamente para viabilizar suas ideias nos últimos 20 anos.

Além das suposições de praxe das relações entre a cantora irmã* e a ministro irmã*, insinuações de protecionismos, a guerrilha também põe em xeque os valores apropriados no projeto, colocando no rol das atividades criminosas ganhar-se dinheiro com o sucesso, com o resultado de anos de trabalho.

Vamos a uma curta análise. Quanto representa de trabalho pesquisar e definir 365 poesias, selecionar trechos, estudar o autor, estilo, atmosfera proposta por poema, definir 365 diferentes interpretações, estudar decorar e ensaiar algo em torno de 1.095 minutos de texto (18 horas aproximadamente)? Quanto representa de trabalho responsabilizar-se por tudo isto mantendo padrões de qualidade, acompanhando as intermináveis horas de edição, de pós-produção? Quanto representa a associação da imagem pessoal da artista ao projeto?

As perguntas acima referem-se exclusivamente a questões de direção artística do projeto.

Pois bem. Várias pessoas criticaram os valores atribuídos ao trabalho da intérprete e diretora. Houve até quem dissesse que se fosse outro nome, o projeto não seria aprovado. Ou ainda que o valor é muito alto e que a cantora não vale isto. A fila de absurdos vai além, discutindo-se inclusive se os prazos de dedicação ao projeto valem isto ou aquilo. As mesmas pessoas que aceitam com tranquilidade o valor da marca de um refrigerante, ou de um tênis famoso, são incapazes de atribuir valor à “marca” de um artista, ao seu valor simbólico e, por que não, o seu valor comercial.

Observe como é complexa a questão. Trata-se de discriminação ao contrário. Os críticos da iniciativa fazem uma inversão doentia argumentando que é protecionismo, que o projeto não se sustentaria com um nome desconhecido – este sim merecedor de apoio. Reprovam/condenam o fato concreto da aprovação do projeto lastreado num nome conhecido de inquestionáveis méritos artísticos, de ligação pessoal com a poesia e merecedor de remuneração justa pelo valor que agrega ao projeto. Nesta maneira de pensar, preferem deixar de lado o que é bom, responsável, reconhecido, meritório e valorizar o que é duvidoso, desconhecido. Os críticos desta iniciativa esquecem que também na cultura há um processo em curso. O que é novo deve ser incentivado na medida do seu tamanho.

Há poucos dias recebi um comentário discordando de um texto que publiquei onde ressaltava serem necessários cursos de preparação de gestores que considerem os princípios gerais da economia, da administração pública, acrescentando que, mesmo cumprida esta etapa, precisaríamos dar tempo a estas pessoas adquirirem experiência/vivência de gestão. Para alguns, basta um indivíduo fazer um curso e estar pronto para ser gestor de um projeto, uma empresa, um órgão governamental. Parece que não entra na cabeça das pessoas que maturidade artística, administrativa é importante e que, sobretudo na atividade cultural, erudição se obtém pela experimentação, repetição, aprendizado.

Talvez a velocidade com que as coisas acontecem na nuvem levem a estes julgamentos apressados. Talvez a falta de balizamento, a falta de quem diga o que é certo ou errado, do que é bom ou ruim, leve alguns a dizerem o que primeiro lhes passa pela cabeça. Devem também existir outros que, sem qualquer pudor, criam ou aproveitam a onda para fazer prevalecerem seus próprios interesses, mas isto é outra história.

O foco aqui é este fenômeno de distorção de valores, do exagero na crítica, do excesso raivoso.

Situação semelhante acontece com o tsunami envolvendo o jovem cartunista João Montanaro, 14 anos, e sua charge publicada no dia 12/3 na Folha de São Paulo.

Ao desenhar uma onda devastando uma cidade japonesa, escolhendo como tema/modelo uma xilogravura de Katsushika Hokusai criada entre 1830 e 1833, o cartunista foi alvo de elogios, mas de críticas de leitores, sendo inclusive xingado por colegas na escola onde estuda.

Como publicado na FSP de 17/3, o pesquisador Gonçalo Júnior, autor do livro “A Guerra dos Gibis”, “vivemos na era da chatice e do politicamente correto. É uma reação paranoica, o desenho retrata as mesmas coisas que todos estes vídeos que estão no YouTube”.

Neste caso, o mais provável é que os críticos não conseguiram atingir o nível de leitura proposto pelo desenho. Para entender o que foi feito é necessário um mínimo de alfabetização para as artes e a capacidade de perceber que o cartunista pegou um ícone da arte japonesa, justamente uma gravura representando uma onda e acrescentou destroços. Por pura ignorância, alguns furiosos não o condenaram por plágio. Definitivamente aquele não era um trabalho de humor e esta foi a leitura rasa que levou à condenação do autor.

Ou seja, este caso e o outro são situações diferentes, mas a mesma matriz de falta de bom senso, de excessos desnecessários.

O projeto cujo título é o mesmo deste artigo, é bem-vindo. O mundo precisa mesmo de poesia.

Quando a argumentação é baseada em berros, não há o que contra argumentar. Quando uma sociedade começa a espernear aos chutes e pontapés é recomendável o recuo, sob o risco de todos colocarem a mesma carapuça de burrice dos que fazem a crítica. 


(*) a cantora é irmã de Caetano Veloso e a Ministro era Ana de Holanda, irmã de Chico Buarque, duas figuras polêmicas e hoje frequentemente associadas a questões de ordem política. Ressalto que este texto se refere fundamentalmente à perspectiva de que qualquer artista pode (e deve) ter o direito de se valer de recursos públicos para executar seu trabalho. Se há alguma falcatrua, má utilização de recursos existem instrumentos legais para verificar isto. Também ressalto que a análise em questão nada tem a ver com as posições políticas e pessoais dos citados e não estão em xeque as eventuais discordâncias nesta área entre eles e este autor.