sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Dilemas Contemporâneos da Cultura (34)

O falso espelho - 1928
René Magritte

Fato: não há ídolos no canto lírico no Brasil

Não há cantores que arrebatem multidões, nomes que as pessoas queiram ouvir em casa e que lotem teatros. Infelizmente não temos isto no Brasil.

Tudo indica que o Brasil está mudando. Ontem mesmo conversa com uma jovem jornalista que disse “tenho a impressão que alguma coisa está diferente, pois ao que parece, as pessoas estão valorizando mais a música erudita, o canto”. Esta impressão pessoal, não é distante do que tenho ouvido em vários lugares.

Há um dado novo. Nos últimos 16 anos, o país sofreu profundas alterações, maior integração através da comunicação global, a telefonia celular influenciando largamente os comportamentos, a abordagem tecnológica e, como consequência disto, maior perspectiva de escolha de entretenimento associado à formação do individuo.

É natural que todo o investimento em Educação, amplie a capacidade de indagar dos novos cidadãos (é isto mesmo tá? Novos cidadãos como uma provocaçãozinha particular). Melhorando o conceito, quanto maior a franquia de direitos, maior a aproximação do individuo comum dos processos artísticos que lhe exigem maior alfabetização para a arte.

Assim, volto a insistir, é o momento dos nossos cantores – de resto todos os profissionais da área da Cultura – repensarem seus projetos.

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Dilemas Contemporâneos da Cultura (33)

Máscara - 2005
Antonio Carmo*

Retornemos à ausência de ídolos no Canto Erudito no Brasil.

No post passado atribuí a responsabilidade ao próprio cantor em primeiro lugar. É duro pensar nisto, sei que é dificil admitir. É muito mais fácil ver o problema no outro.

Sabemos que os problemas existem pela ausência de um mercado organizado com contratantes com volume de trabalho, não há uma rede de produtores interessada no segmento - aliás uma grande bobagem e isto já poderia ter avançado mais - os agentes não funcionam como prestadores de serviço para o artista, mas apenas intermediários, não há uma articulação nacional para se cuidar da imagem do profissional da área, os agentes públicos têm uma visão estreita da questão até por uma questão partidária histórica (isto é outro tema...). Tudo isto é parte da demanda.

O artista é o ponto de partida para tudo isto. Ao menos deveria ser. Recentemente criou-se uma Associação Nacional dos Profissionais de Ópera que ainda, convenhamos, não avançou o suficiente e está neste momento buscando mecanismos sustentáveis de financiamento e discutindo questões importantíssimas com várias esferas. Não avançou o suficiente, mas é um canal de representação e expressão forte o bastante para falar pelo setor.

A Associação é uma ação de conceito coletivo. Ao artista cabe pensar seu projeto.

Isto mesmo. Ao artista falta um projeto. Obviamente não estou falando de projetos de espetáculos, mas uma proposição de vida, a resposta à pergunta "o que farei daqui há 10 anos?"

Há poucos dias, conversava com um jornalista que me dizia ter entrevistado um cantor (ou cantora, não importa) e me disse que teve ótima impressão na conversa, que era uma pessoa muito bem informada, culta, com qualidades artisticas que já conhecia e pessoais que sequer imaginava. Desta conversa, o (a) artista ficou de enviar para ele algumas gravações, alguns programas, um DVD (destes "piratas" que os cantores utilizam). Pergunta do jornalista para mim: "você viu quando chegou o material?... Eu não até hoje e nem um e-mail, um recadinho no facebook ou coisa parecida".

E você? Viu o material? Este é um caso recente. Quantos destes já vimos?

Vejam que o (a) profissional a que ele se referia é gente da melhor qualidade.

Por que nada foi enviado e a promessa não cumprida? O material não era tão bom assim? Faltou suporte técnico para ter boas gravações?

Qual a real distância entre intenção e gesto?


(*) Antonio Carmo nasceu em Lisboa, em 1949. Sua opção na pintura é pelo amor e pela música. Se há tristeza, ela aparece de forma quase bucólica. Há certo otimismo no seu trabalho representando as Estações do ano com uma intensa palheta de cores vibrantes.

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Carlos Gomes no mapa do Brasil (22)

Il Guarany - SNO/SPID
por Cyro del Nero

Relutei muito em escrever nestes dias, pois queria fazer um registro do falecimento de Cyro Del Nero. O que dizer quando um amigo deixa este plano?

Cyro foi o primeiro cenógrafo da nossa (minha e de Rosana) trajetória em ópera. Aliás, o Cyro foi primeiro em tanta coisa... Um desbravador, afável, carinhoso, de cultura ímpar, bem humorado, sério, honorável.

Ele desenhou nosso primeiro Il Guarany, de Carlos Gomes. Aquele Guarany da Bulgária, com um palco giratório inclinado ao centro, cercado de bananeiras desenhadas em painéis gigantes que se moviam, ora dando a ilusão de floresta, ora as paredes de um castelo, as frágeis defesas de um quarto.

Rimos muito, Cyro, Julio Medaglia, Rosana e eu. Rimos. Temos histórias comuns que nos fazem rir até hoje. Cyro era um bom gozador. Daqueles de humor sutil, da do muxoxo irônico, nunca ofensivo, jamais arrogante, pretensioso. Humor de riso largo, grave, daqueles em que se balança o corpo todo.

Conheci Cyro muito antes de tudo isto. Observando seu trabalho, aprendi muito da arquitetura promocional e, de certo modo, quando passei a projetar estruturas na minha empresa à época, confesso que imitei Cyro nos acabamentos, nos volumes. Cyro foi um mestre insuperável. Reparei nestes dias que tenho à minha cabeceira um de seus livros. Daqueles que se folheia para lembrar alguma coisa sempre e, a partir de agora, para rever um parceiro. Fomos parceiros, menos do que gostaria, mas fizemos bons trabalhos. Pena que nestes últimos tempos tudo esteja tão magro que pouco se pode fazer com Cyro.

Foi com ele minha primeira viagem à Grécia, país de quem Cyro, mais do adido que era, foi um embaixador incansável da história - da sua própria paixão. Algum tempo depois retornei a Atenas e lá pude repetir muito do que aprendera com ele, naquela viagem de apenas 2 dias.

Tem mais, mas deixa assim. Fica o registro, a boa lembrança. Se Cyro não botou de fato Carlos Gomes no mapa do Brasil, pode-se dizer que ele foi quem deu a forma e dimensão no palco para uma obra do compositor que foi uma nova fase na difusão do seu trabalho. Sem aquele Guarany, provavelmente tantas outras energias não teriam se juntado e tantas perspectivas não se abririam.

Cyro nasceu em São Paulo, no bairro italiano do Brás. Uma cidade aberta como ele.