sábado, 2 de janeiro de 2016

Diálogos Contemporâneos da Cultura (104)


Máscaras " A ópera em São Paulo hoje - por CP
(*) extrato de Hamlet, de William Shakespeare, em tradução de Bárbara Heliodora (in memoriam)



Reflexões sobre as consequências e as inconsistências do que representa a acusação de desfalque de R$18 ou R$20 milhões do orçamento do Theatro Municipal amplamente difundida pelos veículos de comunicação em reportagens recentes. Qual a sua origem, seu significado e efeitos na percepção pública da nossa categoria?
Parte VII

Cheguei ao fim (?) destas primeiras reflexões. Sem concessões. Hora de ler e reler. Eventualmente, acrescentar, modificar um ou outro detalhe. Mas em outro texto, porque estes precisam ficar como estão. 

Em algum lugar deste blog já mencionei T.S. Eliot, George Steiner e Mario Vargas Llosa, autores de pensamentos críticos acerca da Cultura. De Steiner, tomo emprestado que "não é uma jogada retórica insistir que estamos em um ponto no qual os modelos da cultura e dos acontecimentos anteriores são de pouca ajuda... No máximo podemos tentar por em evidência certas perplexidades". A observação de Steiner sobre o título do seu próprio ensaio também serve para o meu propósito nestas considerações: mesmo a frase "reflexões sobre as consequências e as inconsistências do que representa..." é ambiciosa demais e talvez haja apenas esperança neste pequeno exercício.  

Infelizmente, esta vulnerabilidade a que se expos o Theatro Municipal não é responsabilidade nem prática esperada dos profissionais de ópera e teatro no Brasil. Pelo contrário, tenho orgulho de pertencer a um grupo de profissionais que é sério, responsável, preocupado com o bom uso dos recursos públicos, que possui uma visão apaixonada sobre sua atividade, mas uma visão pautada no compromisso com o público, com a difusão, com a formação.

Sem pieguices, estou entristecido, com esta história toda. Uma melancolia impotente ao perceber a evidência de certos fantasmas perenes e intoleráveis. Triste. 

É da natureza do ser artístico certo distanciamento para melhor observação da realidade. Se tomamos partido aqui ou ali, essencialmente queremos à nossa maneira ser críticos de nós mesmos e mostrar isto para quem nos vê.

Alguns de nós temos a dimensão exata de que não há dinheiro que pague a cultura que não tenha como origem aqueles que nos assistem. A origem dos nossos recursos é o próprio ingresso ou os impostos que direta ou indiretamente financiam a atividade cultural. É a este grupo que pertenço: aos artífices da cultura e aos que também modestamente pagam a cultura.

Por isto tudo, não posso, não podemos, aceitar passivamente fatos como estes que se repetem, repetem, repetem em maior ou menor escala e que se agravam com o passar do tempo. Estamos vivendo um momento novo. Hora em que precisamos mudar o verbo de "ouvimos falar" para "sabemos que". 

Para o bem da Cidade, do público, da manutenção da confiabilidade no que fazemos, precisamos obter respostas rápidas dos organismos que se debruçam sobre o tema. Mas também temos que dar respostas rápidas. 

Não podemos carregar sob nossos nomes o estigma de sermos criadores de um gênero caro, impagável, irresponsável com os números, quando sabemos que existem no Brasil todas as condições técnicas e criativas para se desenvolver a ópera de maneira saudável financeiramente e de se criar em níveis de excelência, com custos menores, inclusive com artistas estrangeiros compondo equilibradamente parte do elenco.

Não tenho escrúpulos ao dizer que não aceito ser avaliado por patrocinadores, por gestores, muito menos pelo público, sob esta régua. Por esta razão, tomo como certo o famoso verso de Hamlet que ilustra este post. 

Precisamos, sob o risco de não termos o que escrever sobre nossa própria história recente, urgente reavaliação do que consideramos correto, adequado e desejável para nossas vidas e caminhos profissionais. 

Nós, até aqui, definitivamente, não fizemos o melhor que sabemos fazer. Basta olharmos os programas dos teatros de ópera e observarmos os nomes que estão fora deste circuito redutor e perverso criado, em que comemoramos três quando já fizemos quinze. Quantos bons regentes, quantos bons cantores, quantos bons diretores, quantos bons cenógrafos, quantos bons figurinistas, quantos bons iluminadores, quantos bons gestores, quantos bons estão em suspensão numa bolha cataclísmica? 

Se todos não percebermos que a lógica em curso não interessa à nossa atividade e não agirmos rápido para convencer aqueles que nos financiam que estamos  na contra-estratégia do desenvolvimento cultural, estaremos prestando um desserviço às nossas mais óbvias expectativas






Diálogos Contemporâneos da Cultura (103)


Máscara "A ópera em São Paulo hoje" por CP
(*) fragmentos de Hamlet, de William Shakespeare em tradução de Bárbara Heliodora (in memoriam)


Reflexões sobre as consequências e as inconsistências do que representa a acusação de desfalque de R$18 ou R$20 milhões do orçamento do Theatro Municipal amplamente difundida pelos veículos de comunicação em reportagens recentes. Qual a sua origem, seu significado e efeitos na percepção pública da nossa categoria?

Parte VI



A gestão anterior (2009-2012) da Secretaria de Municipal de Cultura criou as bases para a Fundação do Theatro Municipal, de fato sendo implantada com todas as dificuldades naturais nesta nova administração municipal a partir de 2013.

Infelizmente, no entanto, mesmo que isto não tenha sido de conhecimento do grande público do Theatro, a gestão foi assaltada por notícias indesejáveis em várias direções: cancelamentos de produções previamente acertadas; demissões em vários escalões e contratações de estrangeiros em diversos níveis de atuação e posteriores problemas internos que levaram a demissões destas mesmas pessoas; substituição de equipes inteiras do teatro nas áreas técnicas; tentativa de acabar com o Coral Paulistano o que levou a uma exposição absolutamente desnecessária do TMSP e seus grupos artísticos; extrema lentidão na regularização dos contratos de grupos artísticos fixos; atrasos de pagamento de artistas estrangeiros em prazos nada razoáveis para um organismo deste porte; demissões e recontratações de demitidos; manifestos públicos de artistas estrangeiros quanto a práticas artísticas e de relacionamento na direção da casa, com ameaças de processos judiciais; manifesto de músicos da orquestra contra práticas de relacionamento da direção da casa, entre outras questões.

Ou seja, não houve – pode-se dizer – uma gestão pautada no equilíbrio e serenidade. Pelo contrário, as más noticias relativas aos processos administrativos e artísticos sempre foram tônica constante. Até mesmo questionáveis supostos padrões de qualidade, relativizados por elevados custos de contratação e de produção.

Não faltaram, portanto, sinais públicos para que a Prefeitura implantasse mecanismos de controle sobre os contratos com terceiros e sistemas de pagamento e de gestão.

Se é a OS quem paga, se o Diretor Artístico e equipe define quem contratar e por quanto, como não podem estar todos estes arrolados nos mesmo pacote de suspeitos, quando, como noticiado, segundo a Promotoria, “existem provas do esquema fraudulento envolvendo a contratação de artistas, que teria movimentado cerca de R$ 20 milhões”?

É esperado que Controladoria Geral do Município e o Ministério Público Estadual, dois órgãos de sabida competência, apurem e deem publicidade aos resultados obtidos, identificando os níveis de envolvimento interno nos dois organismos, quais os produtores externos envolvidos e até onde se estendem estas praticas.

Num espectro mais largo, espera-se que se investiguem as relações contratuais com agentes estrangeiros, como se deram e em que valores; pela intangibilidade, como foram as contratações de serviços especificamente nas áreas de cenografia, de figurinos, as locações de equipamentos; como estão sendo tratados os acervos de ópera, as produções em parceria ou doadas por teatros estrangeiros, as locações de produções; a maneira como foram obtidas receitas de bilheteria, vendas de programas, assinaturas, doações, locações para eventos, seus mecanismos de controle e o destino dado a estes valores, certamente expressivos, já que a própria administração sempre anunciou estarem todas as apresentações lotadas; como se deram as captações de patrocínio face a legislação vigente e, também nestes casos, como foram remunerados artistas, técnicos, serviços, se houve duplicidade de pagamento de contratos comparados aos orçamentos e projetos realizados.

Infelizmente, tudo isto é necessário para que não fiquem dúvidas sobre quaisquer pessoas que tenham trabalhado nesta atividade no TMSP e se dê um basta a qualquer especulação a respeito.